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Revogação da portaria 455 é considerada apenas uma sinalização da boa vontade do governo em dialogar com o mercado já que nunca apresentou efeitos práticos nas rotinas dos agentes
6 de julho de 2018
MAURÍCIO GODOI, DA AGÊNCIA CANALENERGIA, DE SÃO PAULO (SP)
A revogação da portaria 455 do MME, publicada nesta semana por meio da Portaria no. 269/2018 representou apenas uma sinalização do governo de que está disposto a ouvir mais o mercado ao invés de tomar decisões arbitrárias. Contudo, a pretendida desjudicialização do setor elétrico ainda pode estar longe de ser alcançada, depende mais da tramitação do PL 10.332, aprovado na Câmara dos Deputados na última quarta-feira e sua conversão em lei e aponte o caminho para que o setor elétrico deixe um imbróglio de três anos que acumula mais de R$ 6 bilhões em aberto, para trás.
A Abrace, associação que representa grandes consumidores industriais de energia e consumidores livres, esteve desde o início das discussões acerca da portaria 455. A entidade afirmou que esse é um passo que já estava desenhado para que ocorresse. Seu presidente executivo, Edvaldo Santana, disse que embora a revogação tenha saído agora com a publicação no DOU desta quinta-feira, o tema – cancelamento da medida – já estava decidido. O problema, lembrou ele, é que as mudanças quando se envolve a Justiça, levam bastante tempo.
Inclusive, destacou, no âmbito deste acordo, a associação já havia retirado todas as suas ações visando solucionar em embates que tinha com o governo na Justiça. “Essa intervenção feita com a 455 foi mal feita e não apresentou efeitos práticos, apenas repercussão ruim junto ao mercado”, comentou o executivo que à época da publicação da 455 era diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica. “Todos estávamos confortáveis com as tratativas com o governo e o último passo era esse cancelamento por meio de uma portaria”, acrescentou.
Outra associação envolvida diretamente nas ações foi a Abraceel, que representa as comercializadoras. O presidente executivo da entidade, Reginaldo Medeiros, destacou que a revogação foi o último passo do acordo das associações com o governo, publicado ainda em maio deste ano, no sentido de contribuir com a desjudicialização do setor. “Essa portaria era causa ganha para o mercado, mas levaria um tempo enorme para que o processo chegasse ao seu final com o trânsito em julgado e continuaríamos em litigio por um longo tempo”, ressaltou Medeiros. “Como a União, nesse governo, reconheceu o equívoco que era a medida, fizemos o acordo e abrimos a mão dos honorários de sucumbência”, disse ele.
Ele corroborou a opinião de Santana, da Abrace ao destacar que a portaria 455 nunca teve efeito prático no mercado e que se perdeu muito dinheiro com as essas discussões, inclusive com a CCEE tendo investido recursos para preparar seus sistemas às exigências de registro de contratos ex-ante. Assim como as empresas desenvolveram ações para manter uma estrutura de backup mais robusta que só trouxe mais custos para o consumidor e sem eficiência para o mercado.
Na avaliação de Alexei Vivan, sócio do SVMFA Advogados e diretor presidente da ABCE, a revogação da portaria 455 mostra a disposição do governo em solucionar os conflitos no setor. Mas que a desjudicialização ainda dependerá da análise dos efeitos em vista do que as empresas conseguiram judicialmente. Mas, lembra que a portaria sempre foi contestada pelo mercado e esse passo atrás que o governo deu, apesar de não ser a mesma administração, agrada ao setor elétrico.
Agora, destacou, a solução para o futuro não é tão simples, ainda deveremos ver novas rodadas de discussão dos impactos para que não somente o passado seja solucionado e sim o futuro do setor não seja mais afetado. Até porque, lembrou, nada no setor elétrico é de simples solução. “Quando se altera algum ponto acaba inevitavelmente impactando outro segmento, enquanto não houver conversa entre todos os elos da cadeia e alguém não abrir mão de alguma coisa deveremos ver a continuidade de disputas, até mesmo no âmbito de governos, seja o federal ou o estadual”, avaliou.
A parte do PL das distribuidoras que trata do GSF foi comemorada pelo deputado Júlio Lopes (PP-RJ) que decretou a solução para o impasse. Contudo, Santana da Abrace mostra ceticismo quanto a essa possibilidade. Em sua avaliação o texto apresentado e aprovado na Câmara trata apenas do passado e sem olhar para o futuro. O executivo destaca que considera positiva a iniciativa, mas que essa solução só olha para o retrovisor ao atacar a inadimplência. “O PL não resolve nada do futuro, mas o MRE continua aí com um déficit de geração hídrica que somente em agosto é de 20%. Os R$ 6 bilhões podem até ser resolvidos, mas a previsão é de que tenhamos mais R$ 2 bilhões de déficit de geração hídrica por mês até o final do ano, ou seja, resolve apenas a metade do problema”, apontou.
Por sua vez, Medeiros, da Abraceel, afirmou que a proposta constante do PL é a única solução racional e consensual para solucionar a questão. “Se aprovado pelo Congresso na próxima semana e regulamentado com a urgência necessária, será o maior presente que o Congresso Nacional, o Governo, a Aneel e a CCEE darão aos consumidores de energia elétrica nos últimos 15 anos. Quanto mais demorar a solução para a questão GSF, maior será o custo para o brasileiro”, destacou ele.
Raphael Gomes, do escritório Demarest Advogados, lembra que ainda há um longo caminho a percorrer até que o PL com a proposta chegue finalmente a vigorar. E o cenário não é favorável, afinal já estamos próximos ao início do período de campanha eleitoral, fator que provavelmente tira o foco dos congressistas para a pauta do setor elétrico. Ele corrobora a impressão de que a portaria 455 foi apenas uma sinalização da boa vontade do governo, em final de mandato, tem para com o mercado. Mas que solução mesmo é por meio de uma lei, até porque, relatou o advogado, os juízes em Brasília não querem eles decidir os caminhos do setor ante sua complexidade. Preferem decidir quando houver uma lei que trate do ponto.
A portaria de 2012, comentou, já nasceu moribunda e representou a antítese do que era o governo passado ante o atual, de tomar medidas de forma arbitrárias sem ouvir o setor. “A revogação foi uma medida sensata, senão teríamos mais uns cinco anos desse esqueleto no setor elétrico trazendo insegurança jurídica”, analisou. Por isso, destacou que a solução só chegará com a lei. E lembra que nesse processo sempre terá a parte que deverá pagar e outra a receber, isso, continuou, faz parte desse processo e que nem todos ficarão satisfeitos com o texto final, mas, que é mais importante ter um ponto final nessa história do que não ser decidido nada e manter esse ambiente de insegurança que criou três ondas de liminares que vem travando bilhões de reais no mercado. E alerta, “julho é o limite para a solução, depois com as eleições tudo ficará mais difícil”.
Procurada, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica afirmou em nota que “apoia discussões que, como a revogação da Portaria MME 455, possam reduzir o nível de judicialização no mercado de energia. A instituição reforça que segue atuando para garantir a aplicação das regras e a normalização do mercado”.