Folha de São Paulo – Preço alto do megaleilão do pré-sal tira petroleiras privadas da disputa

Venda de 2 dos 4 lotes é sucesso, diz Bolsonaro, mas resultado 34% abaixo do esperado frustra mercado

 

Nicola Pamplona – RIO DE JANEIRO

 

O elevado preço e incertezas sobre o valor do ressarcimento à Petrobras afastaram os investidores privados do megaleilão do pré-sal, realizado nesta quarta-feira (6), que terminou com apenas duas das quatro áreas vendidas, sem concorrência e pelos lances mínimos exigidos.A estatal brasileira e as chinesas CNOOC e CNODC, controladas pelo governo daquele país, foram as únicas a apresentar oferta. O resultado frustrou expectativas de arrecadação, que ficou em R$ 69,9 bilhões, cerca de 34% abaixo do esperado, e desagradou a investidores na Petrobras, cujas ações preferenciais chegaram a cair 5% durante o dia.Ainda assim, o resultado foi comemorado pelo governo. “Tinha quatro áreas, foram vendidas duas, foi um sucesso”, disse o presidente Jair Bolsonaro ao deixar o Palácio da Alvorada na noite desta quarta.“Sem frustração, estamos fazendo nosso trabalho, o dinheiro é bem-vindo”, afirmou.

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Plataforma de petróleo de Peregrino, no Rio de Janeiro, operada pela Equinor; até 2020,12 novas plataformas iniciam operação no Brasil. – Ricardo Borges – 24.out.19/Folhapress

 

Presente no leilão, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, disse que o resultado “é um motivo de muito orgulho para o governo”, lembrando que foi a maior arrecadação de um leilão de petróleo no país.

A relevância do evento para o governo podia ser medida na lista de presenças: Albuquerque, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, a secretária especial do PPI (Programa de Parcerias e Investimentos), Martha Seiller, o ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) Raimundo Carreiro e o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), entre outros.

Mesmo com arrecadação abaixo dos R$ 106 bilhões previstos, a entrada dos recursos vai ajudar o governo a reduzir o déficit fiscal de 2019 para algo entre R$ 80 bilhões e R$ 90 bilhões, ante os R$ 139 bilhões projetados inicialmente.

“É o maior evento fiscal do país em 2019”, disse o secretário especial da Fazenda, Waldery Rodrigues. Segundo ele, o reforço de caixa permitirá o descontingenciamento de recursos de setores como defesa, educação e saúde.

A arrecadação do leilão será dividida entre estados e municípios segundo acordo feito pelo governo para aprovar a reforma da Previdência. A União ficará com R$ 23 bilhões; estados e municípios dividirão, cada grupo, R$ 5,3 bilhões. Localizado em frente às reservas, o Rio terá R$ 1,1 bilhão.

Outros R$ 34 bilhões serão repassados à Petrobras, como ressarcimento por mudanças no preço do petróleo após assinatura do contrato da cessão onerosa, em 2010, que cedeu à estatal o direito de produzir 5 bilhões de barris em quatro áreas do pré-sal em troca de ações para o governo no processo de capitalização da estatal.

No leilão, foram oferecidas reservas adicionais descobertas pela Petrobras nessas quatro
áreas. Foram vendidas só as que estavam na mira da estatal.

Nos leilões de pré-sal, o bônus de assinatura é fixo e a disputa se dá pela oferta de petróleo ao governo durante a vida útil dos contratos.

Sozinha, a Petrobras levou a área de Itapu, que tinha bônus de R$ 1,7 bilhão, também com lance mínimo de 18,15% em óleo para o governo. Não houve lance pelas áreas de Sépia e Atapu.

Esse foi o primeiro leilão do pré-sal desde a oferta da área de Libra, em 2013, sem ágio sobre
o percentual de óleo entregue a governo durante a vida útil. Foi também o leilão com o maior encalhe em relação ao número de áreas oferecidas —com ofertas para metade delas.

Com as ofertas, a Petrobras terá que desembolsar até o fim do ano R$ 29 bilhões em bônus, já descontando os R$ 34 bilhões do ressarcimento.

O compromisso refletiu na avaliação do mercado sobre a situação financeira da estatal. “A predominância da empresa nas ofertas sinalizou um desvio pontual na estratégia atual de redução do endividamento”, afirmou Gabriel Fonseca, da XP Investimentos.

Em entrevista após o leilão, o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, disse que a empresa não tomará novos empréstimos para pagar os bônus. “Mesmo com esse investimento, a Petrobras não acabará o ano com elevação de dívida”, afirmou.

As ações da estatal se recuperaram e fecharam o pregão em alta de 0,2% —as preferenciais, mais negociadas— e queda de 0,43% —as ordinárias.

Para especialistas, a ausência de empresas privadas no leilão reflete incertezas com relação ao ressarcimento que os vencedores devem fazer à Petrobras por investimentos já feitos nas áreas. Segundo maior produtor de petróleo do país, Búzios já tem quatro plataformas em operação, por exemplo.

“Qual é o valor do ressarcimento, como será negociado? Nada disso está definido”, diz o advogado Paulo Valois, do escritório Schmidt, Valois, Miranda, Ferreira & Agel.

Consultora da FGV (Fundação Getulio Vargas) e ex-diretora da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), Magda Chambriard acrescenta outros dois fatores: a opção do governo por receita no curto prazo, ao elevar o bônus de assinatura, e o fato de que as maiores petroleiras do mundo já adquiriram diversos ativos do pré-sal nos leilões anteriores.

O diretor-geral da ANP, Décio Oddone, disse que uma das propostas feitas ao governo previa bônus de R$ 52 bilhões, com óleo lucro mais alto.

“Se fosse usado esse, talvez estivéssemos comemorando a venda das quatro áreas, mas com arrecadação menor.”

Nesta quinta (7), o governo realiza outro leilão do pré-sal, com a oferta de cinco áreas exploratórias com bônus total de R$ 7,85 bilhões. São ativos mais baratos, embora com maior prazo para início da produção.

Para o governo, será um teste para avaliar se o risco do ressarcimento de fato afugentou os investidores.
No leilão desta quarta, apenas 7 dos 14 inscritos apareceram —deles, só três fizeram ofertas. Antes mesmo da oferta, duas empresas já haviam anunciado desistência, a britânica BP e a francesa Total.

Segunda maior produtora de petróleo no Brasil, a anglo-holandesa Shell foi uma das que se inscreveram mas não chegaram a participar. Presente ao evento, o presidente da Shell Brasil, André Araújo, disse que a empresa considerou as áreas caras.

Ele não descartou, porém, participação no leilão de quinta. “Amanhã é amanhã. É um novo dia, são novos blocos.”

Oddone minimizou a ausência das petroleiras estrangeiras e disse que os resultados ficaram dentro do esperado. Mas admitiu que as incertezas sobre o ressarcimento podem ter sido um obstáculo para atrair mais empresas.

O resultado do megaleilão turbina o lobby de petroleiras por mudanças nas regras do pré-sal. Após a oferta, a secretária de Petróleo e Gás do MME, Renata Isfer, afirmou que o governo decidiu apoiar projeto do senador José Serra (PSDB-SP) que acaba com a participação estatal nos contratos do pré-sal e com a preferência à Petrobras na região.

Segundo ela, o apoio é parte de um processo de revisão de regras do setor de petróleo. O texto de Serra acaba com o chamado polígono do pré-sal, área de 149 mil quilômetros quadrados criada em 2010.
Dentro dela, os contratos de exploração de petróleo devem ser de partilha da produção. Esse tipo de contrato determina a participação da estatal PPSA (Pré-sal Petróleo S.A.) nos consórcios vencedores.

Além disso, garante à Petrobras escolher áreas que quer operar, ou seja, gerenciar as atividades do consórcio. “Queremos ter o direito de decidir caso a caso. Tem áreas em que não vale a pena ter partilha. Além disso, a partilha afeta a atratividade”, afirmou Isfer.

Colaborou Talita Fernandes, de Brasília

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/11/preco-alto-do-megaleilao-do-pre-sal-tira-petroleiras-privadas-da-disputa.shtml