O decreto 10.350, editado ontem (18 de maio) à noite, foi bem recebido por especialistas e líderes do setor elétrico brasileiro, por permitir a contratação de um empréstimo bilionário considerado fundamental para dar liquidez às distribuidoras em meio à crise da pandemia do coronavírus (covid-19).
O texto, assinado pelo presidente Jair Bolsonaro e pelos ministros da Economia e de Minas e Energia, Paulo Guedes e Bento Albuquerque, estabeleceu as condições para que a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) tome o empréstimo da “Conta-Covid” com um sindicato de bancos, apontou quais valores serão custeados e quais as condições as distribuidoras precisam cumprir para receber os aportes. O valor do empréstimo ainda está sendo calculado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
“O decreto do governo brasileiro que regulamentou novos empréstimos para ajudar o setor elétrico é fundamental para a estabilidade financeira das distribuidoras e mitigação dos riscos sistêmicos relacionados à crise da Covid-19″, disse, em nota, a vice-presidente da Moody´s, Cristiane Spercel. A agência de ratings calcula que a pandemia vai reduzir em até R$ 16 bilhões a geração de caixa das 41 distribuidoras do país no segundo trimestre do ano.
Segundo Marcos Madureira, presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia (Abradee), o empréstimo será fundamental para ajudar as distribuidoras, que enfrentam uma redução de mercado da ordem de 18% e uma inadimplência de cerca de 10% em todo o país, segundo a entidade. Ele destacou que os recursos vão “antecipar” às distribuidoras custos que seriam pagos eventualmente. “Não haverá, a princípio, aumento do custo para o consumidor”, disse.
Entre outras questões, a Conta-Covid vai cobrir os efeitos financeiros da sobrecontratação, o saldo da Parcela A – CVA, a neutralidade dos encargos setoriais e a antecipação do ativo regulatório relativo à Parcela B. Isso inclui, por exemplo, o custo extra da energia de Itaipu, que é dolarizada, e o impacto da inadimplência crescente dos consumidores por conta da redução de renda da população.
As diretrizes colocadas pelo decreto também apontam para a maior eficiência na alocação dos recursos, o que vai favorecer a modicidade tarifária e proteger os consumidores.
Para o presidente da PSR, Luiz Barroso, uma grande novidade da Conta-Covid é a alocação do risco na tomada do empréstimo. “Se a distribuidora pegar um recurso não necessário, ela terá que devolver. Vai exigir muito mais das empresas, é uma estrutura que busca mais mecanismos de eficiência”, disse.
A Conta-Covid vai também financiar o diferimento e parcelamento da demanda contratada pelos consumidores do Grupo A, cativos e livres. Segundo Ana Carla Petti, presidente da MegaWhat Consultoria, por abranger despesas relativas a ambos os ambientes de contratação, o adicional da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) que vai pagar o empréstimo poderá ser cobrado na tarifa de uso e também na tarifa de energia. “Ou seja, livres e cativos pagarão pelo empréstimo, devendo haver uma abertura de quais rubricas afetam somente os cativos e quais afetam a todos”, explicou.
Essa não será a primeira vez que a CCEE vai fazer a gestão de um empréstimo do tipo. Entre 2014 e 2015, a câmara foi responsável pela Conta-ACR, que financiou a descontratação involuntária sofrida pelas distribuidoras na época por conta de desequilíbrios que se originaram na Lei 12.783/2013. Na época, o uso da CCEE para a tomada do empréstimo foi alvo de polêmica, pelo desvio do papel original da entidade, mas o sucesso na gestão da conta e no pagamento antecipado do empréstimo tirou esse problema da mesa.
“Ainda achamos que usar a CCEE não é o meio mais adequado, porque ela não foi criada com essa finalidade, mas a situação extrema sem parâmetros autoriza a adoção da medida”, disse Alexei Vivan, presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE).