Valor Econômico
04/03/2016
Por: Rodrigo Polito| Do Rio
A migração em massa de consumidores de energia para o mercado livre tem despertado o interesse de empresas estrangeiras e de companhias de outros segmentos, principalmente financeiro, para investir no setor elétrico brasileiro. Segundo especialistas, um grupo de empresas está avaliando a aquisição de comercializadoras ou a criação de suas próprias companhias para vender energia no mercado livre, que tem potencial para praticamente dobrar de tamanho.
De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), foram negociados 115,3 mil gigawatts-hora (GWh) no mercado livre no ano passado, volume correspondente a 24,8% de todo o mercado de energia brasileiro. Segundo a Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), existem ainda 14 mil consumidores com condições legais de migrarem para o ambiente livre, o que pode elevar essa parcela do mercado para 46%, ou 213,7 mil GWh.
Segundo dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), existem hoje pouco mais de 1,8 mil consumidores livres. Desse total, um terço é composto por grandes consumidores industriais de energia e o restante por consumidores chamados de “especiais” – pequenas e médias empresas comerciais e industriais com demanda a partir de 500 megawatts (MW) e que compram energia de fontes renováveis.
Pelo lado das comercializadoras, empresas responsáveis pelo atendimento a esses consumidores no mercado livre, o número de companhias cresceu de 154, em novembro de 2014, para 171, em igual período do ano passado, um crescimento de 11%.
“Vejo novos entrantes nesse negócio. O mercado financeiro particularmente está muito interessado. A inteligência de mercado está na comercialização de energia”, afirma o presidente da Abraceel, Reginaldo Medeiros.
A opinião é compartilhada por Guilherme Schmidt, advogado especialista em energia do escritório L.O. Baptista. “Grandes empresas estrangeiras também estão olhando para esse mercado”.
Há ainda quem enxergue possibilidade de consolidação no setor. “Em um mercado maior, as pequenas e médias comercializadoras vão ter mais dificuldade para competir. A tendência que estamos detectando é de consolidação de mercado, uma associação entre essas comercializadores para ter mais porte e conquistar mais clientes”, diz Alexandre Pinto, advogado do Trench, Rossi e Watanabe.
Além de novos participantes, tradicionais comercializadoras também estão investindo para atender o aumento do mercado. A Comerc, uma das mais antigas empresas do setor, inaugurou escritório em Bento Gonçalves (RS) e está ampliando as unidades de São Paulo e Florianópolis. A companhia, que possuía 100 colaboradores no ano passado, prevê fechar 2016 com 180 empregados.
Segundo o presidente da Comerc, Cristopher Vlavianos, os consumidores estão obtendo em média 30% de diminuição no custo total da energia, após migrarem para o mercado livre.
Outra empresa do setor, a Ecom Energia, também está expandindo os negócios. A comercializadora planeja inaugurar um escritório na capital do Amazonas e abriu recentemente um escritório em Florianópolis. No último trimestre, a Ecom aumentou em 46% o número de clientes e está registrando 12 novos pedidos de migração para o mercado livre por semana. A expectativa do grupo é ampliar em 25% o faturamento da área de gestão de energia este ano, ante 2015.
Outro segmento otimista com o “boom” do mercado livre é o das plataformas de comercialização de energia. É o caso do Balcão Brasileiro de Comercialização de Energia (BBCE), plataforma eletrônica de leilão contínuo para comercialização de energia, administrada por 18 comercializadoras. A BBCE fechou 2015 com a movimentação de R$ 700 milhões em negócios realizados, a partir da consolidação de 2.045 contratos, somando 3.618 megawatts (MW).
Para este ano, a empresa prevê um crescimento de 10% a 20% do volume de energia negociada, alcançando pelo menos 4 mil MW, a partir da consolidação de 2.200 a 2.300 contratos. No total, 155 empresas estão inscritas para negociar contratos na BBCE.
“Em 2015, tivemos um lucro pequeno, mas importante. Para uma startup com três anos de operação, isso é significativo, em um negócio que pouca gente acreditava”, diz Victor Kodja, presidente da BBCE.
O objetivo do executivo, no longo prazo, é tornar a BBCE uma bolsa de energia. “Queremos trazer coisas novas, como derivativos financeiros. Nosso crescimento é sólido. Não estamos aqui para queimar etapas”, completou.
Um ponto, no entanto, ainda preocupa a expansão do mercado livre: o travamento das liquidações do mercado de curto prazo, que está gerando uma inadimplência da ordem de 60% na liquidação desses contratos na CCEE. “Há insegurança no mercado, por causa da liquidação. Isso tem que ser decidido rapidamente, porque está afetando terceiros de boa fé”, diz Schmidt, do L.O. Baptista.