Poder 360 – Pandemia impõe celeridade aos desinvestimentos no setor de óleo e gás em escala mundial, explica Paulo Valois

Eleição nos EUA também afeta setor

Retomada será lenta em 2021

Plataforma da Petrobras P-51, próxima à cidade de Vitória (ES). A estatal bateu recorde de produção anual de gás e de petróleo em 2020 Reprodução/Wikimedia Commons


15.jan.2021 (sexta-feira) – 6h00
atualizado: 15.jan.2021 (sexta-feira) – 7h51

A indústria de óleo e gás é uma das que mais foram impactadas com a pandemia do novo Coronavírus (Covid-19). A crise sanitária global acelerou tendências que já figuravam no horizonte, criando uma pressão ainda maior para os planos de negócios do setor, que passaram a trabalhar com um cenário mais nebuloso diante dos desafios impostos pela transição energética e redução de consumo.

Essa situação impõe uma agenda mais célere a qualquer processo de desinvestimento de ativos no setor em todo o mundo. No Brasil, não é diferente. Quanto mais o tempo passar, alguns ativos tendem a se depreciar.

O ano de 2020 insere-se nesse contexto. A Covid-19 causou efeitos dramáticos na indústria de Óleo e Gás. Com o surgimento da pandemia em março de 2020, que resultou em restrições à mobilidade em todo o mundo, houve um colapso na demanda global de energia, abalando os preços e as margens do setor, sobretudo os da economia internacional.

Com o solavanco, a demanda mundial de petróleo sofreu uma drástica redução no segundo trimestre de 2020, caindo de 92,71 milhões no primeiro trimestre barris (que já capturava um movimento de retração, em março) para 82,57 milhões de barris no segundo trimestre, de acordo com o Optec Monthly Oil Market Report.

É verdade que os trimestres seguintes foram de recuperação da demanda mundial, com 91,16 milhões de barris no terceiro trimestre, e 93,47 milhões no quarto trimestre, segundo o mesmo relatório.

Insuficiente, porém, para evitar a relevante redução de 10 milhões de barris – um recuo de 9,8%, comparando-se a média diária de 2019 (99,76 milhões de barris) com a de 2020 (93,47 milhões), conforme a mesma fonte.

Essa queda sem precedentes, no início da pandemia, teve reflexos nos preços da commodity, com o petróleo do tipo WTI (West Texas Intermediate), referência no mercado dos Estados Unidos, sendo precificado a preços negativos pela primeira vez na história em 20 de abril de 2020, com preço de fechamento a US$ -37,63 o barril, em uma queda abrupta de mais de 300%, amplamente noticiada.

Nos meses seguintes, sobretudo no segundo semestre, registrou-se uma recuperação nos preços do petróleo, refletindo alguma retomada da demanda e ajustes da oferta por meio do corte de produção concentrada na OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), o que requer atenção dos gestores pelos riscos geopolíticos e instabilidades advindos dessa decisão.

Em decorrência dos impactos na redução da demanda e preços futuros, as empresas de óleo e gás, conforme normas contábeis, registraram baixas da ordem de 145 bilhões de dólares nos três trimestres iniciais de 2020, conforme matéria do Wall Street Journal publicada em 27 de dezembro.

Já no Brasil, a Petrobras registrou no 1º trimestre uma redução de valor recuperável de ativos de 13,2 bilhões de dólares (impairment), fruto, também, da reavaliação das novas premissas de preços, volumes e margens.

Da mesma forma, no segmento de downstream, os efeitos foram perversos, com forte queda das margens brutas de refino e do fator de utilização das refinarias ao redor do mundo, com menor ou maior impacto considerando os aspectos estruturais de balanço de oferta e demanda de petróleo e derivados de cada mercado.

Como exemplo, as margens brutas de refino nos Estados Unidos tiveram uma redução de US$ 7,24/barril, quase metade do resultado da margem bruta de refino em 2019, da ordem de US$ 15,00/barril, de acordo com o Opec Monthly Oil Market Report (dezembro 2020)

Importante ressaltar que, no segundo trimestre de 2020, a redução foi em torno de US$ 10/bbl, recuperando-se ao longo do segundo semestre em decorrência de uma série de ajustes no parque de refino mundial: a parada permanente de refinarias [Martinez – Marathon, BP’s Kwinana (Australia, 146 kbd), Shell’s Convent (Louisiana, 260 kbd) e Tabangao (Filipinas, 110 kbd)e Irving Oil’s (Newfoundland, 135 kbd)] e a parada e reformulação para produção de combustíveis renováveis, como a Granpuits Refinery, da Total).

O cenário para 2021 não é, ainda, de crescimento em relação aos patamares pré-pandemia. Em que pese os esforços governamentais para recuperação da economia, bem como avanços no combate à pandemia com início das campanhas de imunização em alguns países, a previsão de demanda mundial de petróleo para 2021 é de 95,89 milhões de barris/dia, ficando ainda 3,89 milhões de barris/dia abaixo da demanda de 2019, o que resultará em pressão nos preços, spreads, margens de refino e fator de utilização refletindo na rentabilidade dos projetos.

A crise sanitária, com seus impactos na mobilidade da sociedade, acelerou em grande escala a incorporação dos processos de transformação digital, como forma de sobrevivência e manutenção da continuidade dos negócios, com impactos na demanda de energia.

Adicionalmente, o tema transição energética/mudança climática ganhou relevância e celeridade, materializando-se nos planos de negócios das “majors” com compromissos firmes de redução de emissões (Net Zero).

Também contribuirá para esta agenda o resultado da eleição americana, além do aumento das exigências dos fundos de investimentos para que as empresas promovam a adoção de práticas ESG (Environmental, Social and Corporate Governance). Empresas que não adotem políticas de conduta para medir sua governança ambiental, social e corporativa terão dificuldades de obter financiamentos para seus projetos.

Existem previsões de que estes efeitos poderão resultar, nos próximos três anos, em reduções da capacidade de refino da ordem de 3,5 milhões de barris/dia, conforme estimativas da consultoria Wood Mackenzie, para que as refinarias em nível global operem com um fator de utilização que produza retornos econômicos atrativos para os acionistas. De acordo com a S&P Global Platts, haverá uma forte redução de capacidade na Europa, América do Norte e Asia-Pacífico.

Além disso, em médio e longo prazo, a aceleração da transição energética antecipará o pico de demanda de petróleo em aproximadamente cinco anos, por volta de2030. Em 2019, a previsão era de que o pico seria em meados de 2035. Esse movimento terá impactos nos preços de petróleo e derivados, nas margens e demanda de produtos, na disponibilidade, valor e retorno econômico dos ativos.

Como se percebe, estamos vivendo uma transição sem precedentes na indústria de óleo e gás natural, com efeitos exponenciais trazidos pela crise sanitária, transformação digital, mudanças no comportamento da mobilidade da sociedade e transição na matriz da energia.

Nesse contexto de transição pelo qual a sociedade está passando, a manutenção na carteira de ativos de menor rentabilidade amplia os desafios na gestão de portfólios energéticos. A atratividade de ativos menos rentáveis, com o tempo, tende a cair. Atrasos nas negociações poderão constituir-se em perdas de oportunidade de ajustes ou até mesmo a perenização de portfólios pouco competitivos.

Planos de desinvestimentos do refino, como os da Petrobras e de outras empresas de petróleo pelo mundo, refletem uma oferta de ativos com margens apertadas e demanda decrescente por parte de investidores financeiros e estratégicos.

Gestores mundiais já compreenderam os riscos atuais e futuros advindos desse contexto, optando por acelerar os desinvestimentos de ativos do setor, a fim de evitar a perda gradual e expressiva dos portfolios, além do comprometimento das taxas de retorno aos acionistas.

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