BRASÍLIA — A crise causada pelo coronavírus vai criar um novo esqueleto para o setor elétrico, com impacto para os consumidores até 2025. O governo publicou, no fim da noite de segunda-feira, decreto que define as regras de um empréstimo bilionário — que pode chegar a R$ 12 bilhões — para socorrer as distribuidoras de energia, por conta dos efeitos da pandemia.
Os custos serão divididos entre o setor e os consumidores. O financiamento terá impacto nas contas de luz a partir de 2021, quando começará a ser pago. Isso vai se estender por 54 meses até 2025. O custo está sendo avaliado para cada distribuidora e vai depender de como o governo irá implementar a medida.
Além do empréstimo, as empresas poderão pedir a revisão dos contratos em vigor, num processo chamado de reequilíbrio econômico-financeiro. Isso também será avaliado caso a caso, e pode levar a aumentos extraordinários nas contas, altas diluídas nos próximos anos e redução de investimentos.
Fontes do setor avaliam que praticamente todas as distribuidoras vão pedir o reequilíbrio, por conta da forte queda de receita, gerada pela queda no consumo de energia e pelo aumento da inadimplência, reflexos da crise do novo coronavírus.
A inadimplência média nas contas de luz em abril chegou a cerca de 13%, contra uma média no primeiro trimestre do ano passado de 3%. Já a redução do consumo de energia está em torno de 18%, de acordo com a Abradee, que reúne as distribuidoras.
Segundo fontes do governo, a ajuda vai garantir a manutenção do caixa das empresas e evitar um aumento generalizado na conta neste ano causado pela alta do dólar (que impacta o preço da energia de Itaipu), pela queda na demanda e por reajustes nos contratos das transmissoras de eletricidade. As tarifas da Light (5,98%) e da Enel (2,48%), que atendem o estado do Rio, já sofreram reajuste.
— Vai ser um empréstimo em nome do consumidor. Lá na frente esses aumentos vão entrar na tarifa, e os consumidores vão pagar em 54 meses esses impactos que viriam agora — explica Paulo Pedrosa, da Abrace (associação de grandes consumidores), e ex-secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia.
Luiz Augusto Barroso, presidente da PSR, avalia que o empréstimos é uma solução de curtíssimo prazo, necessária para prover preservar a solvência e liquidez dos segmentos do setor.
— É importante que o valor do empréstimo seja ajustado às necessidades do sistema, que considere a utilização dos saldos disponíveis nas contas de encargos e fundos setoriais e que não gere subsídios cruzados em seu pagamento. E é fundamental começar já a discutir medidas de caráter regulatório, voluntárias e negociais após o empréstimo, para mitigar a sobrecontratação e outros efeitos da Covid — disse ele.
— Não tem como não conceder o empréstimo, porque, se uma distribuidora quebra, é um prejuízo gigantesco para todo o setor elétrico. Ela fornece a energia e arrecada todos os encargos e tributos. Se a distribuidora tiver problema de caixa, as transmissoras e geradoras terão problemas de caixa.
‘Conta-covid’
Cada distribuidora receberá uma parcela diferente do empréstimo. Por isso, ainda não é possível calcular o impacto na conta de luz. Isto também vai depender de outras medidas que o governo ainda deve tomar para evitar que a tarifa suba demais. Todas as receitas e despesas serão contabilizadas num só fundo, a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).
O governo estuda, por exemplo, descarimbar receitas do setor para irrigar esse fundo. Também podem ser incorporados saldos disponíveis nas contas de encargos e fundos setoriais.
O presidente da Abradee, Marcos Madureira, diz que, na realidade, o financiamento antecipará receitas que as distribuidoras teriam direito a receber, e os consumidores pagarão parte no próximo ano:
— Não são novos reajustes, mas aqueles que as empresas já tiveram ou terão necessariamente nos próximos meses, em função de atos que já estavam previstos, como o aumento dos custos da energia de Itaipu, em função do aumento do dólar, e o aumento de encargos já aprovados. Com o financiamento, esses valores não serão pagos pelos consumidores agora, mas a partir do próximo ano.
É a segunda vez que o governo recorre a um empréstimo para socorrer o setor elétrico. O primeiro caso foi em 2014, por conta da falta de chuvas. Naquela ocasião, tudo foi pago pelo consumidor, criando um tarifaço a partir de 2015.
Para receber recursos do empréstimo, as distribuidoras terão que atender algumas condições, como não suspender ou reduzir os contratos de compra e venda de energia elétrica. Elas também não poderão distribuir dividendos acima do mínimo legal de 25% caso fiquem inadimplentes com obrigações do setor.
— A gente não sabe quantos negócios vão voltar depois a funcionar.
O coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da UFRJ, Nivalde de Castro, ressalta que as distribuidoras estão sendo afetadas por um fator que não têm o menor controle, que é a pandemia, e ao mesmo tempo têm contratos a cumprir.
— Vai ter um impacto sobre a tarifa, mas não será nada expressivo. A taxa de juros no Brasil caiu muito.
