Agência Estado
16/08/2016
São Paulo, 16/08/2016 – O governo começou com o pé esquerdo sua tentativa de atrair a iniciativa privada para a administração de ativos de infraestrutura. Potenciais interessados não se apresentaram no leilão da primeira empresa oferecida, a distribuidora de energia goiana Celg. Representantes federais se apressaram em dizer que essa licitação é resquício do governo anterior, já que o processo de desestatização da distribuidora se iniciou no ano passado. Mas o edital foi lançado já sob o governo interino, que, contrariando as expectativas do mercado, não revisou o preço mínimo do ativo, principal alvo de críticas de especialistas e interessados.
Agora, a expectativa do mercado é de que o governo estabeleça um maior diálogo com os investidores e acolha as suas sugestões, na busca por um desenho mais atraente para a Celg. “O mercado está ansioso por abertura, e o governo tem se mostrado disposto a escutar mais”, disse o sócio da área de Energia do escritório de advocacia L.O. Baptista-SVMFA, Guilherme Schmidt. Ele minimizou a frustração com o leilão vazio da Celg, e preferiu ver com o movimento com otimismo. “Se é pra começar (a privatizar), que comece da forma aceita pelos investidores”, disse.
Em linha com o discurso estatal, o advogado considera que os estudos de viabilidade e preço que embasaram o edital da Celg foram elaborados pelo governo anterior, que de fato tinha uma visão restritiva quanto à rentabilidade dos investimentos privados. “Era um governo lutando pelo retorno ótimo, que às vezes não é considerado suficiente, dadas questões como prazo das concessões”, disse, lembrando que esta questão permeou outros leilões, como projetos de transmissão de energia e rodovias.
Conforme o Credit Suisse, o preço mínimo da Celg estabelecido para o leilão implicava em um múltiplo de 2,8 vezes o valor da empresa em relação a sua base de ativos regulatória (EV/RAB, na sigla em inglês). “Este nível é considerado acima a 1,6x EV/RAB que a CPFL pagou pela AES Sul em junho. Além disso, destacamos que a CPFL provavelmente vai extrair diversas sinergias do negócio da AES Sul, que poderia justificar parte dessa avaliação”, disseram os analistas Vinicius Canheu e Arlindo de Carvalho Pinto.
Alguns investidores que tinham anteriormente demonstrado interesse, como Equatorial, CPFL e Energisa haviam afirmado recentemente que não tinham mais intenção de disputar a Celg-D dado o valor proposto. “Na nossa visão, o resultado deste leilão indica que ainda há alguma racionalidade nos movimentos de fusão e aquisição que estão acontecendo no setor”, disseram os profissionais do Credit, avaliando que, com um rebaixamento do preço, os investidores poderiam voltar a analisar o ativo.
Canheu e Pinto também comentaram que não é razoável esperar interesse chinês por qualquer ativo disponível no Brasil, tendo em vista seu histórico de negociações, que inclui concessões de longo prazo, riscos regulatórios, operacionais e legais abaixo da média, e escala, além de uma parceria com parceiros locais. A declaração está relacionada ao fato de que nos últimos dias cresceram as apostas de que investidores chineses estariam interessados e que o governo brasileiro e chinês teriam conversado sobre a operação.
Timing
Além do preço baixo, o momento do leilão também foi considerado um redutor do apetite dos investidores, principalmente estrangeiros, na opinião da advogada Ana Karina de Souza, sócia do Machado Meyer na área de Energia. Para ela, o cenário político ainda incerto pode ter influenciado, tendo em vista particularmente a visão mais de longo prazo. “(A confirmação do impeachment) pode dar perspectiva de melhoria econômica no curto prazo, mas e o futuro? O investidor se preocupa em como a repetição de processos de impeachment em um prazo relativamente curto de tempo pode afetar a confiabilidade do País, ainda mais tendo em vista um investimento de longo prazo e em setor sujeito a intervenção governamental”, diz.
Schmidt também avalia que a insegurança do momento atual, com um processo de impeachment não concluído, pode também ter inibido os investidores.
Para ele, um novo leilão só deve ocorrer quando o ambiente político estiver mais estável, possivelmente no início do ano que vem. Ele lembra que o processo de reavaliação das condições estabelecidas leva algum tempo porque é necessário justificar uma esperada redução de preço mínimo com novos estudos. “O racional (do processo anterior) foi colocado em xeque”, comentou, sinalizando que novas premissas terão de ser estabelecidas, com base em discussões com o mercado.
A advogada Mariana Saragoça, especialista em Infraestrutura e Energia do escritório Stocche-Forbes, considera que o governo terá de voltar com a Celg-D a mercado antes de partir para a venda de um próximo ativo. “Não acredito que a frustração com a Celg agora vá prejudicar a ideia de alienar os demais ativos de distribuição da Eletrobras, mas provavelmente eles precisarão tentar vender a Celg novamente antes de dar andamento aos outros processos”, disse, lembrando que a distribuidora goiana é “a joia da coroa”, o ativo mais valioso e de melhor potencial de venda da estatal.
Após rejeitar a possibilidade de renovar as concessões de suas demais distribuidoras, a Eletrobras terá as concessionária do Acre, Alagoas, Amazonas, Piaui, Rondônia e Roraima privatizadas.